agosto 07, 2011

A gaiola

(foto: Kimiko Yoshida)



A vizinha acaricia a gaiola com o cuidado definido de uma predadora. É mais que amor; superior dedicação.

A gaiola tem um pano a cobri-la.

Tento cumprimentar:

Boa tarde, vizinha...
Nem uma, nem duas. À terceira tentativa consegue enfiar a mão na escuridão do pano - o secretíssimo seu segredo. Da janela, eu, o curioso. Ela, prazerosa, no esplendor do seu sorriso. Os músculos sólidos do antebraço regojizam-se em movimentos certeiros. Os olhos fechados. A gaiola-mistério intacta - não há som.

Vizinha, boa tarde...

No céu, escurecendo, brilha uma estrela solitária, tímida.

A gaiola estremece - oh! - é a outra mão, por baixo.

Transporta a gaiola para outro banco mais alto. Diante dos seus seios fartos repousa, sob o pano, o objeto coberto - quase uma extensão daqueles. Sob o pano desapareceram os dois antebraços e o princípio das tetas. E ela - sorri; com um nítido esgar de prazer.

Vizinha...?

Os olhos fechados, os pés sem tocarem com firmeza no solo. Abateu-se sobre nós uma repentina escuridão, uma ambiência ofusca.
A vizinha acaricia a gaiola com a precisão de um felino. Uma felina. O véu soergue-se como uma magia e julgo ver algo mais. Mas nada vejo.

Ela espreita - num início de deslocação.

Entram as orelhas. A nuca. Já não lhe vejo o cabelo. Não distingo o pescoço do pano que cobre misteriosa gaiola. Há silêncio - esse silêncio que antecede o impossível. E, num saltinho, coisa nenhuma, vaporosa deslocação, num "ai que me vou", um sopro noturno, como direi?, num momento menos havido, ela, a vizinha, repentina e leve, levemente repentina, toda ela, ancas enormes, pernas entroncadas, tornozelos desafogados, a vizinha, nesse "ai que me fui", desaparece! - como um vulto assustado. Fugaz. Ido.

Vizinha...!

A gaiola - a secretíssima objeta, repousa sobre o banco. O véu consta igualmente.

Há a estrela. Há o silêncio.

E eu:

Vizinha!, vizinha...

Resta só a quietude.

O chão, esse, acolhe um fiapo de cabelo, manso, que do entre-escuro cai, flutuando, em breve errância vertical. Só.

(ondjaki. e se amanhã o medo. língua geral, 2010)

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