Meu obrigada infinito pelo comentário feito um dia, essa leitura foi inesquecível!
;o)
Suíte Francesa, de Irène Némirovsky (Cia das Letras), foi escrita entre os anos de 1941-1942. Planejada inicialmente para ter 5 partes, totalizando mil páginas e construída como uma sinfonia (inspirada na 5a Sinfonia de Beethoven), a autora conseguiu terminar apenas 2 delas antes de ser presa e levada para Auschwitz no comboio número 06, em 17 de julho de 1942.
O romance, com mais de 500 páginas, foge surpreendentemente dos padrões já conhecidos quando a temática se refere à II Guerra Mundial. Aqui a autora destaca as mudanças que gradativamente ocorrem no cotidiano dos franceses às vésperas da ocupação nazista.
Na 1a parte do romance, "Tempestade em junho", Irene circula com maestria por núcleos independentes de personagens de diferentes classes econômicas que se deslocam de Paris durante a Débâde, a fim de se refugiarem na chamada Zona Livre (ainda não ocupada pelo III Reich). Tendo a fuga como fio condutor, a autora nos leva a um mergulho irressistível pelo universo de cada personagem, confrontando-nos com as novas situações por eles vividas e os múltiplos exemplos da personalidade humana. Ficamos cara a cara com a hipocrisia, o esnobismo, a xenofobia, a presunção e a falsidade (para não citar outras qualidades) da chamada burguesia que, presa aos bens materiais dos quais se recusa se separar e impossibilitada de aceitar a ideia de receber tratamento igual aos "outros" naquele momento crítico, deixam o leitor ora perplexo, ora envergonhado diante da mediocridade humana. Com raras exceções, como do casal Michaud e do padre Phillipe que conservam traços de integridade (mas que ainda assim vivem situações que nos chocam por serem vítimas de personagens desumanos) Irène mostra que tais pessoas conseguem ter seu caráter transformado na medida que suas vidas se transformam também.
Na 2a parte, "Dolce", o romance se estrutura no campo e a autora traz um texto recheado de descrições e sensibilidade, sem no entanto cansar o leitor. Famílias tradicionais vivem a espera do filho ou parente feito prisioneiro na guerra em meio a chegada dos refugiados da cidade. Mais uma vez, o medo de compartilhar seus bens traz a indiferença e anula a esperança da solidariedade que se espera encontrar no próximo. Além disso, abrigar soldados alemães (não judeus) dentro de casa traz em cada morador do vilarejo uma insegurança diante do olhar alheio. Irène faz um contraponto interessante criando Bruno von Falk, um soldado alemão sensível e delicado em meio à mesquinhez dos franceses locais, por quem uma jovem francesa se apaixona.
Pertencente a uma família judia tradicional e burguesa, Irène escreve com realismo mantendo distanciamento do texto, sem julgar os fatos ou seus personagens. Apesar da temática, consegue demonstrar ironia e humor (negro) em determinadas situações sendo impossível não rir diante delas (como a cena em que o presunçoso escritor Corte tem sua ceia - que lhe custou uma fortuna - roubada).
A obra de Irène ficou durante anos sob os cuidados de suas filhas, Élisabeth e Denise, sobreviventes da guerra. Mas foi somente em 1954 que as filhas resolveram ler o manuscrito em letras míudas que a mãe havia deixado. Surpresas por não terem em mãos um diário e sim uma obra de violento valor literário e histórico começaram um lento processo de decifração.
Suíte Francesa só foi publicado em 2004 e já é considerado o mais importante documento literário pós guerra, depois dos diários de Anne Frank.
O livro traz o prefácio de Myriam Anissimov contando a tragetória de Iréne - sua vida em família e sua relação de ódio com a mãe - e características de sua escrita. No final, trechos de seus manuscritos e relatos do marido e de amigos que estiveram em sua busca, antes da certeza da sua morte.
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